Um tatuador com questões de mobilidade poderia trabalhar nesses espaços? E seus clientes?
Acessibilidade no mundo da tatuagem é um assunto que vira e mexe ocupava meus pensamentos, mas como uma borboleta que pousa e desaparece logo em seguida. Claro que me preocupava em oferecer um espaço acessível para meus clientes, mas como tatuadora e não dona de estúdio e, como alguém que não era afetada pelo assunto, o pensamento desaparecia, sem gerar nenhuma ação ou conclusão. E até então a ideia de um estúdio de tatuagem pensado na acessibilidade para seus trabalhadores nem como borboleta passageira surgiu em minha mente.
Um pouco de contexto. Acessibilidade é uma palavra repleta de significados, alguns podem entendê-la como a localização de um estúdio e seu acesso através de transporte público, outros usam a palavra para se referir aos preços dos serviços ou produtos.
Neste texto estou me referindo especificamente à acessibilidade arquitetônica de um ambiente quando falamos de questões relacionadas a pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Você já parou pra pensar se os estúdios que costuma frequentar poderiam atender um cliente cadeirante ou que utiliza bengala? Um tatuador com questões de mobilidade poderia trabalhar nesses espaços?
Recentemente me deparei com uma nova realidade. O assunto da acessibilidade sofreu metamorfose, foi de borboleta para uma espécie esquisita de elefante alado. Toda vez que eu queria que o assunto voasse, as asas não davam mais conta do recado. Demorei pra aceitar o elefante, mas a realidade era clara: Eu passei a precisar de espaços acessíveis.
Muitas vezes pensamos em questões de deficiência e acessibilidade em termos extremos e absolutos “Ou a pessoa anda ou nem se levanta.”, “Ou você consegue subir escadas ou não consegue.”, mas fui descobrindo como isso quase nunca se aplica a realidade. Você sabia que até entre cadeirantes, muitos conseguem andar? Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos (“Demographics of Wheeled Mobility Device Users”), 40% dos cadeirantes do estudo conseguiam andar sem assistência e entre os outros 60% tinham os que andavam pequenas distâncias com ajuda como apoio de bengala. Questões de mobilidade são um espectro.
Várias doenças crônicas, deficiências e situações da vida podem afetar sua mobilidade parcialmente, fazendo com que tarefas como subir escadas ou andar médias e longas distâncias se tornem difíceis e dolorosas. Essas atividades, apesar de não terem se tornado absolutamente impossível, passam a te machucar, a impedir o progresso do seu dia.
Se o seu ambiente de trabalho tem escadas, você já parou pra contar quantas vezes você sobe e desce elas todos os dias?
No momento não estou me referindo somente aos tatuadores, se você, por exemplo, é vendedor e trabalha numa loja com escadas, quantas vezes tem que subir pra buscar itens de estoque? Subir pra deixar sua mochila, deixar entregas etc.?
Agora imagina que toda vez que você tiver que subir as escadas você toma dano na sua integridade física e energia. Você vai machucando seu corpo ao longo do dia, até não aguentar mais de pé e ter que ficar de cama por alguns dias seguidos. Como você conseguiria trabalhar?
Dentro desse redemoinho de novas reflexões e de uma nova realidade física comecei minha busca por estúdios de tattoo acessíveis e foi aí que me conectei com a Nicole do Tattoo2Me.
Eu não imaginava o quão difícil ia ser, de verdade. Eu sabia que muitos estúdios tinham escada, mas o que me chocou foi a quantidade de estúdios que não oferece nenhuma informação sobre seu espaço.
Entendo que nenhum estúdio teria pensado em colocar um anúncio como “Estúdio SEM acessibilidade, cheio de escada!”. Também entendo que muitas vezes não se tem tanta escolha do local. Se procura qualquer local com aluguel que não arranque um rim e que seja próximo de transporte público. Mas na minha pesquisa muitos locais não ofereciam nem uma fotinho se quer do espaço!
Minha dica aqui é: Se você tem um estúdio de tattoo POR FAVOR tire fotos do seu espaço. A melhor prática é ter um post oficial no feed com uma breve descrição da foto na legenda, postar também nos stories e deixar um destaque que fique sempre ali no perfil do estúdio. Meu exemplo é no Instagram, mas isso pode ser feito em outras mídias como Facebook e, se o estúdio aparece no Google mapas, dá para colocar as imagens lá também. Isso no fim também é bom para o marketing do estúdio, muitos clientes se sentem mais confortáveis em visitar um estúdio pela primeira vez quando já viram fotos do local (principalmente fotos bem produzidas).
Parece bobo, mas isso poupa TANTO o stress tanto dos tatuadores que estão procurando local de trabalho, quanto clientes que estão procurando onde conseguiriam ser tatuados. Deixo aqui então essa simples súplica, de uma tatuadora cronicamente cansada e machucada.
Me chamo Dani Benite e sou tatuadora a quase 5 anos aqui na cidade de São Paulo. Então minha experiência procurando estúdios é aqui na gigante cinza do Brasil, se você mora em outra cidade/estado, qual a sua experiência? Vou deixar aqui também algumas imagens do meu trabalho, amo tatuar animais (principalmente os brasileiros), plantas e várias fofuras. Se quiser acompanhar meu trabalho me segue no insta: @daydream_db.
Observação: Existem outros aspectos da acessibilidade arquitetônica (como banheiros) e da acessibilidade no geral como a comunicativa (libras) que não mencionei no texto. Em relação a banheiros, por lei os estúdios precisam ter banheiros, mas ainda tem a questão dos quão espaçosos são, se são acessíveis a cadeirantes etc.
Em relação à comunicação sei que ter um intérprete em cada estúdio não é viável, mas tenho duas dicas muito simples e práticas pra oferecer mais acessibilidade comunicativa também: legenda em todos os vídeos/stories e o aplicativo “Hand Talk”. É um aplicativo que traduz frases e palavras em português direto para libras!
Dicas de estúdios acessíveis nesse post:
https://www.instagram.com/p/Ca4gi7uJw8Y/