Conheça agora a trajetória inspiradora da artista Iza Preta
Iza Preta é uma artista incrível de Recife que você precisa conhecer!
Ilustradora e tatuadora, Iza tem seu propósito bem traçado: representar e enaltecer a beleza do povo preto.
Com múltiplos talentos e uma bagagem de diversas vivências artísticas e culturais, foi na tatuagem que ela se encontrou.
Iza Preta é especialista em pontilhismo e artes geométricas, e hoje seu foco são os desenhos afrocentrados.
Vem com a gente conhecer a fundo a história e carreira de Iza!
Descreva um pouco sobre você, como pessoa e como foi sua trajetória até aqui?
Iza: Eu nasci em 1994, sou do bairro de Nova Descoberta, periferia da cidade do Recife. Filha e neta de mulheres pretas periféricas e graças ao esforço delas estou podendo realizar alguns dos meus sonhos.
Cresci brincando na rua da minha casa com outras crianças, brincávamos de pega-pega, amarelinha, corda, queimado, esconde-esconde, bola de gude, etc. Na época era comum as crianças brincarem na rua, tendo em vista que ela não era muito violenta.
Nesse período existia um grupo cultural organizado por um dos meus tios, tinha maracatu, teatro e diversas manifestações culturais, uma contribuição para tirar alguns jovens do mundo das drogas e da violência. Hoje em dia, esse grupo cultural chamado de “Símbolo da Paz” não existe mais, porém um dos meus sonhos é retomar algumas das atividades dele para que outras crianças e jovens possam enxergar outros caminhos para seguir.
Na rua onde eu cresci era comum ter festas em todas as épocas do ano. Tinha bloco no carnaval, quadrilha junina no São João, baile funk, bingo, cantores de brega fazendo show ao vivo e tudo de graça para a comunidade e pra quem era de fora.
Longe das tecnologias eu vivi uma infância e adolescência literalmente em comunidade. Fui estudante de escola pública e tinha um sonho de ser dentista, porém não consegui passar no primeiro vestibular que fiz e acabei desistindo por ser um curso caro. Como eu não trabalhava e dependia da minha mãe, resolvi mudar de carreira e ingressei no curso de Turismo pela UFPE em 2012.
“Fui a primeira pessoa da família a ingressar em uma universidade pública.”
Até o ano de 2016 o desenho não estava presente na minha vida, acreditava que eu não tinha nascido com o dom e por isso nem tentava desenhar, até começar a me arriscar em desenhar mandalas no papel durante minhas aulas.
Em 2017/2018 eu quase desisti da área do turismo para focar na arte, pois no turismo eu não encontrava representatividade e as empresas não se mostravam muito dispostas a contratar uma jovem negra da periferia.
Passei dois anos com o curso trancado, agora voltei e estou prestes a me formar.
“A arte é a minha primeira opção de trabalho, me encontrei nesse ramo e hoje me sinto representada e faço com que outras pessoas pretas também se identifiquem e se enxerguem como potências.”
Em 2018 fiz minha primeira exposição artística na Ilha de Itamaracá, ainda tímida por ser nova no mundo da arte. Depois dessa exposição comecei a pensar na possibilidade de tatuar.
Entrei em contato com alguns amigos tatuadores, estudei um pouco, pedi algumas orientações e em 2019 fiz o meu primeiro risco, ainda sem definir que área da tattoo eu pretendia seguir.
Montei meu primeiro estúdio improvisado junto com meu atual companheiro e sócio na casa de praia em que passava os finais de semana, até montarmos um estúdio na cidade de Igarassu em 2020 onde atendemos até o momento. Hoje em dia minha renda vem principalmente da tatuagem, mas eu tenho um trabalho paralelo com ilustrações, pintura de telas e produtos artesanais decorados com mandalas.
“Minha mãe é uma das minhas maiores incentivadoras, sempre pegou no meu pé pra que eu tirasse boas notas na escola e quando eu decidi encarar a arte como fonte de renda, ela foi a pessoa que me ajudou muito financeiramente. Sem ela nada disso seria possível ou estaria tendo o dobro do trabalho pra acontecer.”
Iza, conte um pouco como a tatuagem entrou na sua vida e qual seu propósito em fazer arte?
Iza: A tatuagem entrou na minha vida como uma alternativa para complementar a minha renda, porém hoje em dia é a minha principal fonte de renda.
“Antes de entrar na tatuagem eu tinha um bloqueio e achava que não era capaz de fazer tatuagens em terceiros, sentia que era muita responsabilidade e que eu não era capaz de aprender, mas com o tempo e muito estudo vi que era possível e seguro se eu tomasse todos os cuidados.”
Fiz minha primeira tatuagem em 2019, nessa época meu trabalho ainda não era direcionado e eu fazia muitos trabalhos comerciais. Durante a primeira onda de contaminação de Covid-19 no Brasil eu fechei meu estúdio por 7 meses. Nesse tempo fiquei sem tatuar, mas sempre me dedicando aos estudos na tatuagem, e só então decidi direcionar o meu estilo.
Fiz alguns cursos on-line de pontilhismo geométrico e decidi focar no pontilhismo.
Gosto da geometria, mas hoje em dia estou mais focada em fazer desenhos afrocentrados.
“Meu propósito em fazer arte é de enaltecer a beleza e representar o povo preto, nossa essência, nossa religiosidade, os diversos lugares que vivemos e fazer com que o povo negro se sinta representado ao olhar/adquirir minhas artes. Também quero passar o que eu aprendi pra frente, com cursos e oficinas voltadas para o público negro e periférico.”
Agora queremos saber sobre o processo de criação da Iza.
Perguntamos como atualmente ela conversa e até mesmo convence o cliente a ter uma arte autoral, e não uma cópia da internet. Veja o que ela disse:
Iza: Esse processo de conscientização começa nas minhas publicações nas redes sociais.
Hoje em dia quase não recebo clientes que buscam cópias de trabalhos, talvez porque meu posicionamento contra cópias é bem forte nas redes, porém ainda recebo algumas mensagens pelo whatsapp buscando esse tipo de trabalho, geralmente de pessoas que não conhecem o meu trabalho e estão em busca de um preço mais baixo.
Quando eles vêm com uma ideia já pronta da internet e muito repetida, eu costumo perguntar se eles estão abertos para a modificação da arte ou se eles querem e se sentem confortáveis com a simples cópia. Explico que cópia de trabalhos é errada e não me sinto confortável em realizar a tattoo e peço pra modificar a arte dando o meu estilo. Muitos aceitam que eu modifique a arte e alguns não aceitam. Aos que não aceitam, e caso seja uma arte bem repetida nas redes, eu faço a tatuagem e não posto nas minhas redes sociais. Porém é muito raro acontecer isso, as pessoas se mostram muito abertas para a modificação.
Conta um pouco como são seus clientes, o que eles mais procuram você para realizar e quais são os hábitos deles?
Iza: Meus clientes em sua maioria são pessoas negras. Então o que mais buscam são desenhos que representam a cultura negra e nossos ancestrais. Com temas de religiosidade africana, mulheres negras, plantas de proteção, plantas históricas, símbolos adinkra etc. Hoje em dia eles me deixam bem livres na hora da criação e se identificam bastante com os temas que eu desenho.
“Me sinto muito confortável com meus clientes, eles chegam até mim elogiando muito meu trabalho e falando o quanto se identificam com a minha arte, o que facilita muito na hora da criação, fico mais livre.”
Meu estúdio fica na região metropolitana do Recife, mas recebo clientes de outros estados que vem até mim por causa do meu trabalho e não costumam reclamar da distância e na maioria das vezes voltam.
Além da tatuagem, quais outros tipos de arte você desenvolve? Estão à venda?
Iza: Trabalho com pintura de quadros, murais e artesanatos com mandalas.
Todos esses tipos de arte estão à venda. Tenho além do perfil de tatuagem um perfil voltado para as mandalas, o @artesdatialua.
O que na arte você tem vontade de fazer e ainda não fez mas gostaria de se desafiar?
Iza: Tenho muita vontade em grafitar as ruas da cidade, mas não consigo encaixar minha agenda com a agenda de outros artistas que fazem oficinas de grafite. Mas é uma meta que desejo cumprir a curto prazo. E começar a estudar as tatuagens coloridas.
Qual história tatuou que mais fez diferença para você? O que era?
Iza:Nesses anos como tatuadora, duas histórias me marcaram muito.
A primeira foi a arte que fiz em um grande amigo transexual depois de sua cirurgia de mastectomia. Uma mandala geométrica no peitoral em pontilhismo. Era um sonho pra ele fazer essa cirurgia e mesmo antes do procedimento ele já me disse que queria uma arte nessa região e eu seria a tatuadora responsável pela realização desse segundo sonho. Fizemos essa tattoo na última semana de 2021, encerrando ciclos com uma tatuagem que durou mais ou menos 20 horas quase seguidas.
A segunda arte que me marcou muito foi tatuar uma ex-chefe que eu tive, ela é uma mulher negra e uma de minhas inspirações. Tatuamos Oxum, foi a primeira tatuagem dela e quando chegou no meu estúdio disse que um dos motivos que levou ela a tomar coragem de se tatuar comigo foi um sonho que ela teve com Oxum. O engraçado é que semanas antes dela pedir a arte eu também sonhei com Oxum quase em frente a minha casa. Nossa sessão foi mágica, espiritual e ancestral. E depois dessa arte eu decidi focar em desenhar e tatuar mais orixás, e minha aceitação nas redes com arte representando a religião de matriz africana foi muito boa.
Qual o estilo de tatuagem que não é o que faz atualmente, mas gostaria de fazer alguns projetos?
Iza: Não trabalho com tatuagem colorida, mas tenho muita vontade de fazer alguns projetos com esse estilo. É uma das minhas metas futuras na área da tattoo.
Você tem pretensão de fazer guests e visitar outros estados e países para levar sua arte? Se sim, quais?
Iza: Esse sempre foi um dos meus maiores sonhos, principalmente agora depois que recebi muitos seguidores de outros países e estados. Por enquanto tenho algumas cidades e estados que desejo mais, como Salvador, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará e São Paulo. Nesses lugares eu tenho um número relativamente grande de seguidores, porém queria rodar o Brasil e o mundo. Também estudo a possibilidade de visitar alguns países da América Latina, África e Europa, onde tenho alguns amigos que são tatuadores e residentes.
Qual artista você adoraria fazer uma collab futuramente?
Iza: Na música eu tenho vontade de fazer collab com La Dame Blanche, Seu Jorge, Larissa Luz, Luedji Luna, Djonga, Chico César, Afroito… são muitos!
Na arte eu gostaria de fazer collab com Índia Tattoo, Fabio Lopes, Nathê Ferreira, Ianah Maia, Jime Ahau, Senegambia etc… também são muitos.
Iza, quem você admira na arte da tatuagem e por que escolheu essas pessoas?
Iza: Índia tattoo (@_indiatattoo) – por ser uma mulher indígena e com um posicionamento bem parecido com o meu na arte e nas questões sociais.
Carbonel (@ciso.ttt) – por ser um artista negro e que faz questão de ensinar e erguer outros artistas periféricos e por lembrar que estamos vivos.
Fabio Lopes (@fabiolopes_ttt) – também por ser um artista negro engajado na luta antirracista na cena da tatuagem.
Jime Ahau (@jimeahau) – por ela mandar muito bem no pontilhismo geométrico e por ser uma artista que está sempre aberta ao diálogo.
Deixei de citar alguns que também são muito importantes e que eu admiro muito nessa área.
Qual legado você gostaria que sua arte deixasse e qual dica você daria para quem está iniciando na tatuagem como artista?
“Quero que a minha arte quebre um pouco mais do preconceito sofrido pelas pessoas pretas, quero mostrar o que temos de belo e destacar a nossa força. E que outros artistas pretos sejam influenciados com a minha arte e possam viver de arte também.”
Iza: Uma dica que eu dou pra quem está começando na arte é que estude bastante e não desista nas primeiras dificuldades, que são muitas, principalmente pra quem é preto, pobre, indígena etc. Buscar trabalhar em equipe com pessoas com pensamentos e lutas semelhantes. Ser humilde e também ser firme no seu posicionamento, não se diminuir para caber em lugares que não nos querem.
Para quem ainda vai se tatuar, qual conselho você deixa para essa pessoa?
Iza: Procurem artistas que se preocupam com sua saúde e a deles, que sigam todos os protocolos de biossegurança. Conheça o tema de cada artista e escolha o que mais se identifica.
“Para pessoas pretas eu aconselho procurar artistas que enxerguem nossa pele em todos os momentos e não apenas na hora da grana, artistas que criam pra gente e que postam nossas peles no feed deles.”
Por fim, quais seus planos para o futuro e onde os seguidores podem te encontrar em 2022?
Iza: Um dos meus planos para o futuro é montar um estúdio de tatuagem maior e capaz de receber outros artistas, de preferência para artistas periféricos que estejam iniciando no ramo da tatuagem. Outro plano é começar a viajar pelo Brasil e mundo com o intuito de tatuar e vender minhas artes.
Onde podem me encontrar em 2022:
www.mapacultural.pe.gov.br/agente/5203/
https://prosas.com.br/dashboards
Muito obrigada pela entrevista Iza, é um prazer imenso contar sua história em nosso Blog!
Desejamos que você voe ainda mais alto e leve sua arte para mais e mais pessoas!
E você, fica com a gente que tem outras matérias e histórias inspiradoras aqui no Blog do Tattoo2me!