Participar de eventos de tattoo é daora! Seja compartilhar seu trabalho, encontrar amigos, comprar material clandestino ou só apostar quem tem coragem de tatuar por menos de 50 conto, convenções em si são como uma pororoca de ideias, algumas boas e outras tantas ruins.
O encontro também ajuda que aspirantes a tatuador descubram um pouco de onde estão se enfiando. Em 2014 quando surgiu a oportunidade de participar da minha primeira convenção, me joguei para a experiência completa, inclusive na competição.
Naquela época ainda era uma feminista júnior e não entendia muito bem a categoria Feminina. Parecia uma desculpa esfarrapada para ver um desfile de biquíni e uma bancada de jurados composta em sua maioria homens hétero. Claro que corri para inscrever um trabalho nessa categoria, com um pequeno plot twist, a tatuagem seria em um homem.
Descobri na prática que não se tem algo que tire mais machista do armário do que privá-lo de objetificar alguém, é a coxa peluda de um homem barbado. Quando questionados sobre o critério de avaliação ser apenas “tatuagem em mulher e não feitas por mulher” e porquê não havia então uma categoria masculina de tatuagens em homens, escutei apenas: “pq estamos no Brasil e é assim que as coisas são”
Em 2020, a Tatuagem no Brasil nunca foi tão rica e diversa. O nível de trabalhos evoluiu tanto que Tattoo Feia virou um estilo incrível, ganhamos o primeiro registro histórico decente e nos distanciamos um pouco mais de um passado marginalizado e preconceituoso.
Até a categoria Feminina mudou. É comum encontrá-la como “tatuagens feitas por mulheres” em algumas convenções por aí. Mas vem comigo só um minutinho…
Faz algum sentido colocar artistas de estilos completamente diferentes na mesma categoria? E desde quando ser mulher é necessariamente feminino?
Afinal, o que diabos é Tatuagem Feminina?
Tecnicamente, não faz sentido algum ser avaliada na maior parte das vezes por tatuadores homens que insistem em acreditar que tattoo pequena, delicada, de florzinha ou comercial sejam menos “tatuagem de verdade” do que as costas fechadas com aquele dragão que já foi mais copiado que Romero Britto (nada contra tatuagem de dragão).
Esses espaços “tradicionais” que ainda acreditam que traço bonito é traço grosso ou que limitam a ideia de delicadeza ao feminino não parecem ter aprendido ainda que diversidade tá aqui pra ficar.
Seja no old school, tribal, botânico, ornamental, fineline e etc, temos infinitas referências de mulheres que mandam bem. Poucxs se arriscariam a comparar o próprio trampo com o delas de forma tão arbitrária. Então mais uma vez te pergunto: pq diabos temos essa categoria?
Talvez a masculinidade seja frágil a ponto dos que decidem esse tipo de coisa terem medo de “perder espaço”. Estourar a bolha do privilégio e reconhecer lugares de fala não tira o lugar de ninguém, e sim a cria novos espaços que caibam todo mundo.
O que importa nessas competições afinal? Julgar características de uma boa tattoo ou quem a fez? Dá pra distinguir técnica, linha, preenchimento, composição ou encaixe entre homem e mulher?
Sinto que a essa categoria café com leite já não é suficiente para conter trabalhos e mulheres cada vez mais plurais. Apesar de provarmos repetidamente nosso lugar na História e nos estúdios, não precisamos dessa validação para ter nosso trabalho levado a sério.
Ao longo dos anos criamos nossos espaços seguros, tecemos nossas redes de apoio, até cartilhas didáticas para reconhecer assédio em estúdios foram feitas. O caminho se abriu de forma que ninguém nunca mais precisasse passar por situações abusivas apenas pelo fato de existir. Não precisamos de uma categoria própria para competir entre nós, só que respeitem o espectro múltiplo que nos define como indivíduos.
Tatuagem não é esporte e se que fosse, teríamos um time misto de altíssimo desempenho a nível olímpico.
É um páreo duro, mas é pedir muito que se pense uma forma mais inclusiva e inteligente pelo menos com bancas de jurados mais representativas? Afinal, estamos no Brasil, e é assim que as coisas podem ser.
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