A violência contra a mulher, além de abrir feridas na alma, deixa marcas físicas que fazem com que sejam, constantemente, rememorados toda a tristeza e o sofrimento causados pelas agressões sofridas.
Essas marcas, além de carregarem o peso do contexto vivido, são estigmatizantes e causam constrangimento, inibindo muitas vezes as possibilidades de construção de uma nova história.
Buscando amenizar um pouco essa dor, Flavia Carvalho, 34 anos, que é tatuadora profissional há oito anos, criou o projeto A Pele da Flor, que consiste em tatuar sobre as cicatrizes da violência. O projeto, entretanto, não se restringe à cobertura de marcas físicas de violência, ele se estende também a mulheres que passaram por câncer de mama ou sofreram problemas de automutilação.
Flavia conta que sempre se sensibilizou muito com a violência contra a mulher, pois ela própria sofreu muito com isso na adolescência. Ela recorda que, há alguns anos, quando ainda trabalhava como funcionária em um estúdio de tatuagem, atendeu uma mulher que tinha uma grande cicatriz no abdômen. A mulher contou que estava em uma balada, dançando, quando um homem a abordou de forma grosseira e ela recusou-se a conversar com ele. Quando ela estava indo ao banheiro, o mesmo homem voltou a abordá-la e, diante da recusa dela em ter algum tipo de aproximação, golpeou-a com um canivete.
A cicatriz resultante dessa agressão foi coberta com uma linda tattoo de flores e estrelas, e a reação daquela mulher ao ver a marca, que trazia lembranças tão ruins, ocultada pela tatuagem, compadeceu Flávia. Ela recorda que a mulher ficou muito emocionada e agradecida e a abraçou chorando. A partir desse fato, Flavia pensou que deveria haver muitas outras mulheres na mesma situação, com marcas que as envergonhavam e traziam lembranças ruins, que poderiam ser cobertas com tatuagem para serem ressignificadas. Assim, nasceu A Pele da Flor, uma iniciativa voluntária e gratuita que tem devolvido a autoestima para muitas mulheres.
Veja reportagem sobre o projeto:
Sobre os atendimentos, Flavia explica que, na primeira conversa, a mulher que vai participar do projeto mostra a cicatriz que pretende cobrir e conta sua história. Há sempre muita emoção envolvida. Durante a conversa, surgem sentimentos de revolta e incredulidade (nos casos de violência doméstica), ou tristeza e acolhimento (nos casos de mastectomia ou automutilação).
“São muitas histórias pesadas, de depressão, luta e redenção”, relata.
Ao longo dessa conversa permeada de emoções, são buscadas referências para a escolha do desenho e é agendada a tattoo.
“O processo todo envolve sentimentos de esperança e resiliência, pois toda a imagem sombria por trás das marcas está para acabar”, comenta.
Depois de realizada a tattoo, “é só alegria”, diz Flavia, lembrando que muitas de suas “flores” se tornaram suas amigas. Outras, ela acompanha de longe. Para a artista, “não há nada mais gratificante do que acompanhá-las nas redes sociais, empoderadas e felizes com o próprio corpo, mostrando com alegria e naturalidade as tatuagens que cobrem as cicatrizes antes escondidas”.
Flavia já perdeu a conta dos atendimentos realizados e confessa que parou de contar quando chegou ao centésimo.
Além do A Pele da Flor, Flavia idealizou outro projeto social, o Acácias, um minicurso gratuito de tatuagem para mulheres artistas.
“Ele surgiu de uma necessidade que eu mesma tive e que também observei em muitas tatuadoras iniciantes. Por muito tempo, mulheres ficaram à margem do mundo da tatuagem, era muito difícil conseguir informação, ensinamento e materiais. Ouvi muitas histórias de aprendizes submetidas a um trabalho praticamente escravo, além de abuso e assédio moral e até sexual.”
O projeto tem o objetivo de suprir essa lacuna, ampliando o espaço feminino no universo da tatuagem. O Acácias busca ainda ensinar uma profissão, especialmente às mães solos, o que é muito importante e empoderador nos dias de hoje.
Além dos projetos A Pele da Flor e Acácias, Flavia realiza campanhas sazonais para arrecadar fundos e mantimentos para instituições filantrópicas e é mãe solo da Marcela, de oito anos, e do Alexandre, de quatro anos.
“O Alexandre tem autismo e transtorno de processamento sensorial, então, vivo o plus da maternidade atípica, que também é maravilhosa, mesmo com seus desafios.”
Ela destaca que a maternidade, a arte e o servir, são os alicerces da sua vida.
Por todo seu ativismo, Flavia, que tem apenas 34 anos, já recebeu várias homenagens. A mais recente foi da Câmara Municipal de Curitiba, um diploma de Congratulações e Louvor.
“Fiquei muito feliz, é um incentivo ao meu trabalho.”
Flavia explica o sentido da tatuagem em sua vida:
“A tatuagem é muito mais do que minha profissão, de onde eu tiro dinheiro para pagar as minhas contas, ela é parte de mim. Eu sempre fui artista, isso é o que eu sou, nunca me adaptei a profissões ‘convencionais’. Conseguir hoje sustentar meus filhos e meus pais com a arte é gratificante demais. Os projetos são um meio de devolver isso à sociedade, às mulheres que precisam, e também de dar a outras mulheres a chance de poderem ter a mesma ‘sorte’ que eu tive.”
A seguir, as fotos de alguns trabalhos da Flávia no projeto A Pele da Flor.
Ferimento de arma de fogo causado pelo ex-marido da vítima inconformado com o fim do relacionamento. A marca do projétil é a lesão ao lado do umbigo que foi coberta pela flor de lótus pequena, porém, a cirurgia de emergência para salvar a vida da vítima fez com que ela tivesse o abdômen inteiro aberto.
O ex-namorado da vítima a golpeou seis vezes com uma faca, e a cirurgia de emergência também deixou uma cicatriz grande.
Caso de Mastectomia: houve perda total do mamilo, e as próteses ficaram assimétricas, mas as tattoos conseguiram corrigir bastante.
Único homem atendido pelo projeto A Pele da Flor. É um homem Trans que teve câncer de mama muito invasivo, pois desde pré-adolescente usava faixas superapertadas (“binders”) para esconder os seios, já que desde muito cedo se sentia um menino. Ele ficou com grandes cicatrizes e sofreu a perda total dos mamilos (que acabaram incluídos no desenho, trabalho que Flávia não costuma fazer).
Dois trabalhos sobre cicatrizes de automutilação: Flávia conta que costuma acompanhar sempre as meninas que se automutilaram, e algo que elas sempre dizem é que as tattoos, muitas vezes, são determinantes para não haver recaídas.
O ex-marido da vítima ateou fogo nela por ciúmes em 1994. Ela só usava blusas compridas para esconder as marcas.
“Vê-la curtindo o verão é bom demais!- comenta Flavia”
A seguir algumas imagens de trabalhos do portfólio da Flávia:
Contato:
Instagram pessoal: @flamorpho
Instagram profissional: @flavia.daedratattoo
WhatsApp (41) 99746–6696
SOBRE A AUTORA:
Yvana Savedra é jornalista, escritora, advogada, articulista e
apaixonada por arte.
Siga no Medium:
https://medium.com/@yvanasavedra
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