BloodyMasta: A Combinação de Arte e Transcendência

Conheça o trabalho psicodélico e transcendental do artista e sua relação com a teosofia e as areias tibetanas.

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Andrew Araújo, a.k.a Drew, ou @bloodymasta, 29 anos, é tatuador há 9 anos e em sua trajetória vem conseguindo construir uma linha de trabalhos bastante identitária: quando vemos suas tatuagens, facilmente as associamos à sua autoria.
Com linhas bem definidas- geralmente trabalhando com contornos grossos e cores bem chapadas, uma tendência semelhante ao estilo Tradicional de tatuagem -, Drew as recheia com uma gama de cores que compõe um trabalho psicodélico e transcendental, muitas vezes marcado pela simetria e utilização da geometria.

“Portal para os desejos da vida não vivida”. Tatuagem feita por Drew Araújo, com a temática dos portais.
“Pé de anjo que olham por nós”. Tatuagem feita pelo Drew Araújo.

O que Drew faz em seu trabalho nos lembra muito composições de artistas que trabalham com a teosofia, como Hilma Af Klint , assim como também às composições de areia tibetanas. O que os citados- incluindo Drew- têm em comum é uma associação da arte com a espiritualidade.
Hilma produzia seus trabalhos baseando-se nos estudos sobre as diferentes religiões, compreendendo seu processo criativo como uma transcendência divina; as mandalas de areia são feitas por monges tibetanos traduzindo a ideia da impermanência, já que são varridas ao final de sua execução; e Drew deixa transparecer seu interesse pelos conceitos filosóficos e psicológicos em qualquer aspecto que seja vinculado à transcendência (que de certa forma estão associados às religiões, tais como o budismo e o xamanismo, cujos princípios se baseiam na transcendência).

Mandala de areia — Link de referência
“Prática vs Conhecimento”. Pintura feita por Drew Araújo
“Tree of Knowledge No 5”, 1913–1915, Hilma Af Klint — link de referência
“Transformação”. Pintura feita por Drew Araújo
“Altarbild, nr 1, grupp X”, peça de altar, 1915, Hilma af Klint. A artista sueca foi uma das pioneiras da abstração, e baseava suas pinturas na religião e no espiritismo. Dizia que eram realizadas através do contato com “mestres superiores”, se conectando com um plano astral para sua realização. Foto do museu Moderna Museet, em Estocolmo — Link de referência

Conversei com Drew para entender mais de onde vem suas inspirações para seus trabalhos, os questionamentos pelos quais passou ao desenvolvê-los e como suas crenças pessoais podem transparecer em sua arte. Busquei através das perguntas me aprofundar mais sobre no processo do artista. Percebo que algo muito comum na sociedade contemporânea é olhar a tatuagem como um fim a ser obtido, com um valor ornamental, de embelezamento, da criação identitária através do culto ao corpo. Quando me deparo com trabalhos que buscam se aprofundar nos significados daquilo que será construído na pele, compreendo como um novo caminho sendo construído pelos tatuadores, como algo que se aproxima mais da arte contemporânea (que se faz principalmente no campo conceitual). O estético pode ser significativo sem ser superficial, podendo vir do simples fato do autor do trabalho se envolver em uma temática filosófica e dedicar-se a transmiti-la através de imagens- como o que é feito por Andrew.

Confira em seguida o resultado da entrevista:

Drew, para começar, gostaria que você contasse um pouco porque se interessou em começar a tatuar. Qual foi sua primeira relação com a arte e o desenho?

O desenho sempre andou junto comigo, desde pequeno quando fazia cartoons e animes toscos, depois virou só um caminho para a tatuagem, uma extensão. Frequentava museus, exposições, shows, teatros, etc. desde cedo pela influência dos amigos e família. E aos 18/19 anos eu estava em uma época em que precisava decidir coisas, no meio da faculdade e empregos de infelizes escolhas, e a tatuagem foi uma opção para me rebelar, sair daquilo que eu não gostava e ir fazer o que eu gostava. E aí como eu já desenhava e tinha muito interesse por arte, já conhecia tatuadores que estavam nesse meio, isso me ajudou e acho que foi mais fácil de entrar. Eu fiz dois anos de publicidade e não aguentava mais o lance da propaganda, considerava ela uma lavagem cerebral e tinha ideais que iam contra isso. Havia muita pressão vinda dos meus pais para estudar coisas que não gostava e seguir um padrão criado para mim, e quando saí da faculdade e larguei os empregos, no começo a minha família foi contra, mas depois que fui me engajando melhor na vivência em tatuagem, fui tendo autonomia para explicar o estilo de vida e qualidade ímpar da tatuagem na minha vida, e hoje tenho total apoio e suporte por eles, que até mudaram sua visão sobre o ofício.

Você sente que é algo mais “verdadeiro”? Porque a propaganda tem essa coisa de instigar as pessoas a fazer alguma coisa, né? Enquanto a tatuagem é mais você, ali, em contato direto com a pessoa. De certa forma, também tem que fazer propaganda da tatuagem, que acaba sendo um produto. Acaba tendo que vender um pouco nosso trabalho.

Sim, total, e de fato não é possível desconsiderar a publicidade da tatuagem, principalmente nos dias de hoje que se vive uma época de competição. Isso tudo, esse aglomerado de fomentação de propaganda, eu considero errado quando os meios começam a não justificar os fins, quando as atitudes de interesse no que é dos outros, ou a tentativa de fazer prevalecer seu trabalho acima dos outros começam a ganhar mais prioridade do que o real intuito em si. Hoje, passando por essa fase de disseminação da informação surgem muitos outros intuitos, mas acredito que o resultado em si, como por exemplo dinheiro ou status, devem ser uma consequência e não a prioridade. Na tatuagem, não existe propaganda que quebre o vínculo íntimo do tatuado com o tatuador, com ela está acoplada os conceitos modernos de amizade e companheirismo, a não ser que o tatuador siga esse sistema propagandista de puro interesse próprio doentio, o que torna ela mais um produto do que um momento importante para o tatuado e pessoas influenciadas ao redor. Para mim esse é o objetivo de uma tatuagem, atingir a importância de se passar um momento verdadeiro.

Flash de portal, por Drew Araújo

Queria pedir para você falar um pouco das suas inspirações, tanto artísticas quanto teóricas e filosóficas, até porque eu vejo que você tem muita influência da tendência transcendental no seu trabalho. Como que, artisticamente, essas referências te influenciaram?

Bem as referências são muitas e de muitos lugares e épocas. São tanto referências como influencias, pois, criar é um processo paradoxal de aceitação de muita coisa, e estudar referências está ligado com isso. Eu tenho influencias nas ideias desde brincar com a visão desfocada do meu astigmatismo, até a uma análise comparativa histórica de Ocidente e Oriente. Eu sempre fui de pensar muito e acho que posso resumir dizendo que o contexto psicológico de condutas sociais junto à experiência de transcender e assistir à mudança espiritual dentro de si, me traz a sensação de autoconstrução, como o exemplo das religiões formarem nações, ou o ouro do alquimista, seu pensamento, retomo o início da reconstrução de uma alma e como ela constrói o mundo interno e externo, através de arquétipos, mantras, funções, disciplinas e arbítrios do ser humano.

“Peônia fria”, por Drew Araújo

Dá para dizer que a sua expressão na tatuagem é bem pessoal?

Sim e não, depende do momento e do que estou fazendo, não me expresso somente por mim ou com o que sai de mim, mas também por amor à continuidade ritualística dela, e em tentar manter vivo o legado que ela deixa. Em geral sempre me envolvo bastante com a tatuagem que faço.

O que você pensa quando olha seus primeiros trabalhos, como os esboços que você me mostrou, em comparação ao seus trabalhos de tatuagem atuais?

Penso que estava dando um salve para o Eu de agora no futuro. Hahaha.
Era pura expressão e não seguia muita linha referencial, então eu sentia uma comunicação chegando e desenhava o conceito, como se fosse o estopim do conceito gritando, coisas espalhafatosas ou até nulas e quietas, montadas de uma forma ritualística de não começar sem terminar, como sempre fui. Hoje olho essa nostalgia e sinto que continuo tendo a mesma expressão conceitual, porém mais assumida, mixada com uma disciplina sem auto cobrança, e com menos pragmatismo também.

Tatuagem por Drew Araújo

Por último, ia te perguntar se você tem alguma inspiração. Eu estava lendo estes dias sobre as mandalas de areia tibetanas, feitas pelos monges do Tibet. É um trabalho de simetria, feito por eles com muito cuidado e paciência, que no final eles apagam, e isso fala um pouco da impermanência das coisas da vida. A tatuagem, apesar de ser eterna no corpo da pessoa, é um desapego para o tatuador, porque o trabalho nunca fica com o tatuador. Você se baseia em algo relacionado à filosofia ou arte tibetana?

Eu estudo arte que tenha contato com essa transcendência, que revele para o quê que ela está, sem medo de se declarar uma ponte para o lado científico da coisa e sem cair em um entretenimento de qualquer aspecto. Pessoas que experimentaram muitas formas de transcender, e suas diversas ferramentas para isso. Na parte Oriental, eu encontro muito mais a prática, a sabedoria de reconhecer os fatores que são bons e ruins nas coisas; e a existência e reconhecimento de todas as virtudes e seus venenos opostos. Na Ocidental, enxergo muito mais o estudo da psique, a ideologia em si muito mais teórica e cientificamente aplicada, soa como um aspecto duro, porém é tão transcendental quanto, quando sua bolha de fé culmina com saber aplicar o conhecimento. A tatuagem e o momento vão embora com a pessoa e o tempo, e isso faz o tatuador trabalhar nele o ego que ele tem com a própria expressão, não só em relação à tatuagem feita como também com o conhecimento técnico, por exemplo. Tipo, porque eu tenho que guardar esses segredos para mim e não quero passar, sabe? Não podemos estragar a tatuagem como no jardim de areia tibetano, você pode cobrir ou reforma-la, ou até apaga-la, mas ela estará em um momento e irá embora em outra pessoa, que é outra vida, outro universo, então é um simbolismo para isso, não? Me relaciono de uma maneira que acredito ser natural com meus ideais e crenças, conforme vou estudando e aprendendo, vou cavando também um buraco para preencher com no que vou aplicar.

“Cogu lisérgico”, por Drew Araújo
“Pra subir tem que descer”. Flash feito pelo Drew Araújo

Eu vejo que você escreve uma legenda para os desenhos que você posta. Nisso, sinto que tem uma preocupação maior do que só mostrar a sua inspiração inicial, só para agregar valor e dar um aspecto de exótico à sua inspiração no Oriente. É uma busca de compartilhar conhecimento, pensar no aspecto da transcendência, de abrir a mente para a fantasia também. Partindo disso, qual sua pretensão dentro da tatuagem? Você está buscando uma linha específica? Ou melhor, para onde sente que seu trabalho está indo?

Eu escrevo não para agregar valor, mas para acompanhar as vezes como uma explicação, ou como forma de expressão também, muitas vezes o que escrevo pode também não ter relação com o que desenho, mas nem por isso vou colocá-la num outro “quadro” de visualização separado, pois faz parte do todo. Se agrega valor ou se é exótico e fantasioso são consequências do que faço dependendo do contexto do que de fato é valor e entretenimento. Mas não busco uma linha de expressão específica não, além da que é confortável para mim e a todos. O que eu produzo, o que eu faço nas tatuagens, venho percebendo que cada vez mais funciono dentro de um padrão na busca de ser solícito para as pessoas, como sou solícito para mim, acredito que estou propagando o autoconhecimento pelas tattoos, com meus desenhos e as ideias das pessoas, procuro sempre produzir uma ponte mais fiel para o que há dentro de nós, de mim e dos clientes, e neles representar uma verdade deles, que é sempre difícil de acessar por ser um campo infinito de possibilidades, seja por significado ou seja por vaidade, enquanto isso me observo e sinto o pensamento e o sentimento se mesclarem e se tornarem ouro dentro de mim, acredito que todos devemos sentir a sensação de reconhecer e praticar a glória de saber o que é genuíno em nós mesmos a todo momento, ou pelo menos uma vez na vida sentir isso, é um direito. Se eu puder construir para cada um, um portal único, um meio específico em sua forma e propósito, de acordo com a disposição da pessoa, irei revelar melhor com o eterno treino de mostrar e representar o cognitivo da auto percepção, algo além da ilusão de viver na nossa experiência, o sublime.

“Torre de Babel” ou “A Torre”. Pintura feita por Drew Araújo, inspirada na narrativa bíblica. Junto ao desenho, há uma descrição de suas possíveis interpretações no instagram de Drew.

Para acompanhar mais do trabalho do artista, acesse:

Drew Araujo (@bloodymasta) * Instagram photos and videos
2,042 Followers, 1,260 Following, 120 Posts – See Instagram photos and videos from Drew Araujo (@bloodymasta)www.instagram.com


SOBRE A AUTORA:

MARI DAGLI
Tatuadora, artista visual e viciada em estudar a cultura artística underground.
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