#PELEPRETATATUADA

Confira o editorial fotográfico que mistura arte e empoderamento da raça negra.

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Esse é um daqueles textos que deixa qualquer jornalista feliz e grato: Um dia desses, pensávamos em uma pauta sobre tatuagem em pele negra e nos deparamos com esse editorial lindíssimo. Ele tinha acabado de ser divulgado, muita gente comentou, compartilhou e nós aqui, frenéticos para saber mais, saber como, quem, onde…

Tombamento a começar pelo nome: #PELEPRETATATUADA.

Finho, tatuador há 15 anos e idealizador do editorial junto com a Estopim Art, nos disse em entrevista que o nome surgiu do próprio conceito do projeto e acabou virando uma espécie de campanha, já que a hashtag agora pode ser usada para dar visibilidade à arte em pele negra. Conversamos com Finho sobre o editorial, sobre sua carreira e sobre a participação do rapper Emicida neste projeto.

Aproveitamos e fomos atrás da fotógrafa Helen Mozão, responsável pela produção do editorial e por essas belas fotos. Nossos dois convidados residem na cidade de Salvador, Bahia, onde aconteceu a sessão de fotos para o editorial.


Tatto2me — Como você começou sua carreira?

Finho — Eu sou, fui envolvido em muitas culturas que meio que moldaram o que sou, o que eu faço, o que eu produzo enquanto artista. Culturas ou contraculturas como o punk-hardcore, o veganismo, o hip-hop de maneira geral porque eu sou grafiteiro também. E eu acabei conhecendo a tatuagem muito cedo, desenhava muito por influência do meu irmão que também desenhava e eu fui percebendo a tatuagem e pegando canetinha, desenhando no papel, às vezes em mim mesmo quando era moleque. Fui comprando revistas, na época não se tinha Internet como hoje e fui me envolvendo a tal ponto dos amigos perceberem e colocarem uma pilha pra eu me jogar nisso. Eu acabei ouvindo esse pessoal, duas pessoas em especial que estiveram comigo desde início, Fabiano Passos e Robson Véio, que estão comigo até hoje, na Estopim Art do Fabiano… E tem um tatuador, talvez um dos mais antigos de Salvador, Álvaro Medrado, que foi quem abriu as portas. Foi no estúdio dele que eu comecei a tatuar e fiquei por quase 15 anos, lá que eu aprendi a tatuar, ele quem me ensinou o processo inteiro. E aí eu entrei num processo meio que de montar meu próprio estúdio, talvez passar isso adiante, ensinar outra pessoa, enfim, não sei.

#PELEPRETATATUADA: modelo, moda, tatuagem e composição. (Foto: Helen Mozão)

Tattoo2me — Como é o seu trabalho, sua trajetória como artista?

Finho — Minha trajetória, vamos dizer, foi normal. Eu sempre gostei de fazer determinados tipos de desenhos, mas fiquei, durante muito tempo, receoso em investir nessa temática mais Old School e New School, porque eu estava começando a tatuar e não era, pelo menos aqui em Salvador, uma temática mais comum. Eu lia muita revista gringa, em São Paulo eu sei que tinha uma parada muito forte, mas aqui eu não levava tanta fé que eu pudesse me destacar e fazer somente isso. Até porque o que eu vi era muita gente vindo atrás de desenho de álbum e eu ficava meio assim de fazer um tipo de desenho que não teria saída. Mas não sei se por teimosia, por ser turrão (risos), por ser aventureiro eu acabei investindo nisso e acabei tendo uma grata surpresa, porque muita gente acabou vindo me procurar por conta do meu modo de tatuar. Modo de tatuar eram os desenhos que eu criava. Eu nunca fui uma pessoa apegada a uma forma de tatuar, uma parada mais engessada. Sempre gostei muito de Comics, Old School e New School, sempre fiz desenhos bebendo dessas três fontes. Então, eu achava uma parada muito legal, primeiro porque o cliente saía com o desenho escolhido por ele e segundo que eu não precisava ficar reproduzindo aquele mesmo tipo de desenho de álbum. Eu tinha liberdade de estar criando minhas próprias coisas.

Tattoo2me — E aí, teve meio que uma mudança nos seus desenhos.

Finho — Bem mais recentemente, coisa de dois ou três anos, através de conversas com amigos, aproximação com movimentos sociais a gente começou a perceber que era complicado buscar referências de tatuagem na pele negra. Em revista gringa era até mais fácil de achar, mesmo assim muito reduzido, algo como 5% (das publicações). E era pra ter fonte de inspiração, você pegava o desenho e queria saber como ficaria em sua pele. Quanto mais escura a pele, mais complicado. E por conta dessa lacuna, eu vi que era uma coisa a ser pensada, trabalhada: dá pra se fazer muita coisa legal, dá até pra se mudar a maneira do preparo do desenho.

É massa a gente usar todo aquele modelo old school, âncoras, andorinhas, pin-ups. É interessante esteticamente, mas é uma cultura que não diz muito pra gente enquanto Brasil e num ponto mais específico, enquanto povo preto.

Foi por isso que eu comecei a pensar em desenhos de um outro ponto de vista, mas também de se pensar em pele negra, ainda mais em Salvador que a população negra é uma parcela altíssima (da sociedade). Acho que as minhas primeiras quatro ou cinco tatuagens foram feitas em peles negras, só que na hora de fotografar, eu dava prioridade aos trabalhos maiores e coloridos mesmo gostando de todos. E era um bagulho, no mínimo, esquisito. Eu comecei a ver que lá fora já se tinha esse cuidado, já se tinha umas pin-ups gordinhas, modelos hispânicas, asiáticas e não era mais restrito aquele padrão de mulheres magras, mulheres brancas, mulheres de olhos azuis. Funciona legal pra quem quer aquilo, mas quem não quer tinha que ter um modelo pra escolher.

Não só estética, tattoo também é representação, é pertencimento. (Foto: Helen Mozão)

Tattoo2me — Assim que surgiu a ideia pro editorial #PELEPRETATATUADA?

Finho — É, o Estopim é um trampo muito antigo de Fabiano, ele trabalha com audiovisual e mais recentemente ele começou a produzir uma série de camisas. Camisas ligadas à temática da tatuagem e eu acabei produzindo duas estampas dessa série, e em uma das nossas reuniões meio que chegamos nessa ideia, nesse conceito e resolvemos juntar uma coisa e outra já que eu já estava trabalhando em tatuagens mais voltadas para pele negra. E pra divulgar esse projeto, pensamos em não fazer fotos tradicionais e eu, automaticamente, pensei no nome de Mozão, Helen Mozão, que é uma fotógrafa muito boa daqui, nossa amiga, já tínhamos produzido umas coisas juntos, e eu achei que tinha muito a ver.

O ensaio é esse que vocês podem ver. Eu peguei alguns amigos e amigas que eu já tinha tatuado, tatuagens que eu achava emblemáticas pra saírem nesse ensaio. E foi massa porque é pra gente meio que ter orgulho e desdizer que tatuagem não combina com pele preta. Funciona, sim. Tá aqui a prova!
É um momento de empoderamento, de fortalecimento, e mostrar isso com a tatuagem e com a blusa é muito legal. É orgulho de dizer e mostrar na camisa: eu sou!

Genericamente, o projeto é sobre tatuagem em pele preta e mais especificamente, sobre as tatuagens terem uma certa temática, como por exemplo o Heru que Robson Véio tem no antebraço com o as letras do RBG que é uma alusão às cores da bandeira pan-africana, que é o vermelho, verde e preto. Pra mim é muito a ideia de referência, de se buscar a referência e transmitir. Porque se antes não se tinha (referência) agora a gente vai ser!

Referências egípcias e da Libertação Negra. (Foto: Helen Mozão)

Tattoo2me — E como aconteceu a participação do Emicida?

Finho — Ele talvez seja uma parada embrionária disso tudo. A gente já é amigo há algum tempo, e numa dessas minhas idas a São Paulo, ele comentou que tinha interesse de fazer uma tatuagem, na época não rolou, mas acabou rolando um pouco depois. E quando ele me falou da ideia do que queria fazer, eu pirei na hora porque eram várias cabeças, várias representações de pessoas importantes da cultura negra. Esporte, música, política, arte. É um trampo que a gente ainda não terminou, faltam ainda algumas cabeças e um fundo que vem meio que unindo tudo, é uma manga inteira, uma tatuagem grande.

O rapper Emicida com a camisa do projeto.

Conversamos, também, com a artista visual Helen Mozão, responsável pelas fotografias do editorial:


Tattoo2me — Como você define seu trabalho?

Helemozão — A minha fotografia é voltada para a periferia, direcionando, em alguns momentos, para a mulher, a mulher preta e periférica. Então, meus trabalhos autorais falam basicamente de emponderamento, de aceitação, de entender o seu corpo, de falar das pessoas da periferia e fazendo com que as mulheres se entendam e mostrem isso para a sociedade.

Tattoo2me — Como foi produzir o editorial?

Helemozão — Eu e Finho sentamos pra conversar e eu dei algumas ideias. O #PELEPRETATATUADA já existia e não teríamos outro nome para dar senão esse. E aí fizemos uma sessão de fotos exaltando a questão da tatuagem, nós saímos pelas ruas do Pelourinho com uma galera e o background eu pensei em algo bem desconstruído, descascado pra dar esse contraste mesmo com o tom da pele, a tatuagem, mostrar que é essa coisa da rua.

A gente quis fazer uma sessão bem alegre, com algumas pessoas sorrindo. E num outro momento, a gente quis fazer a representação da tatuagem nas pessoas.

O projeto busca empoderamento através de tatuagens que representam a causa. (Foto: Helen Mozão)

Tattoo2me — E a edição das fotos? A edição foi feita de uma forma diferenciada?

Helemozão — O processo de edição é o que eu geralmente já faço nas minhas imagens, que é ressaltar mais a pele preta, e no caso do trabalho com Finho eu tive o maior cuidado em ressaltar o tom da pele preta, mas não escurecer tanto para dar visibilidade para a tatuagem. É um processo diferente das outras fotos porque eu preciso ter esse maior cuidado, na hora de fotografar eu tenho que procurar um ambiente com mais luz pra poder sair o desenho melhor.

Finho contou com amigos e amigas tatuados no projeto. (Fotos: Helen Mozão)

Tattoo2me — O que o projeto representa pra você enquanto mulher e preta?

Helemozão — O projeto não é meu, autoral, mas eu me sinto muito representada e acredito que várias pessoas conseguem se sentir representadas porque é uma maneira de se desconstruir essa coisa de que a tatuagem só é legal em pele clara, mesmo que seja uma pele negra, mas clara. E que você não vai poder usar sombras, algumas coisas, sabe? O corpo é arte, independente de que tom de pele for. E Finho é essa pessoa, ele faz o trabalho muito bem, ele faz com que as pessoas confiem no trabalho dele e se deixem ser tatuados. É difícil uma pessoa olhar pro trabalho de Finho e não se sentir tocado e não gostar e não amar. E tem a questão da releitura, não tem uma mulher, gorda, negra que não consiga se olhar no desenho dele, as referências dele são muito próximas (às pessoas).


Nós, do Tattoo2me, não cansamos de elogiar o editorial e torcemos para que venham muito mais desse tipo de arte, ensaio, inspiração, referência, editorial. E eles virão! Vamos aguardar os próximos capítulos do #PELEPRETATATUADA.

Acompanhe os trabalhos de Finho e Helemozão e não deixe de conferir o editorial completíssimo!


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Fernanda Moraes
Fernanda Moraeshttps://blog.tattoo2me.com
Editora no Tattoo2me Magazine. Mãe do Zion e Jornalista, às vezes. Cultura Periférica, Indústria Cultural e Tatuagem.

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