Capittoo vai além dos olhos de ressaca!

Qual sua missão como tatuador, como artista, como pessoa? Nesse texto, Capittoo nos conta sobre sua missão de mudar histórias e cicatrizes com a tatuagem.

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Eu sempre me preocupei muito com o bem estar das pessoas. Fui professora de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo por 6 anos e estive sempre lidando com assuntos que dificilmente meus alunos poderiam conversar com os pais. Nos intervalos, conversávamos sobre a vida, sobre dores e eu era o confessionário deles. Sempre tentei ajudá-los de alguma maneira. Mas lecionar ainda não era o que eu queria para minha vida. Eu queria mudar o mundo de uma forma diferente, eu queria por cor no dia a dia de cada um.

Pois, então, virei artista!

Sendo tatuadora, percebi que, apesar de tudo, ainda não estava fazendo a diferença como queria. Foi quando decidi que começaria um projeto de cobertura de cicatrizes de autolesão.
O cobrir de uma cicatriz é algo muito delicado. A pele é fina demais, o traço estoura. É importante que o cliente e o tatuador tenham a consciência de que um dermatologista deve permitir que o processo ocorra. O psicológico de um tatuador que faz este tipo de trabalho tem de estar trabalhado para que você não se perca no caminho.
Iniciei meu projeto e percebi que era aquilo que eu nasci para fazer: mudar a autoestima de pessoas que, provavelmente, não as encontravam mais. E, hoje, sei que mudei!

Era sempre uma sessão pesada, muitas pessoas se lembravam dos cortes e dos motivos que as fizeram se cortar. Conversamos muito sobre isso e até hoje mantenho amizades com clientes por causa das coberturas. É uma delícia isso!
Por muitos anos passei por relacionamentos abusivos e há pouco tempo surgiu uma cliente, Marina (nome fictício) que foi marcada por seu ex-namorado. São duas cicatrizes com a inicial do nome dele. Assim que ela falou comigo, senti que deveria fazer alguma coisa além da tatuagem. Procurei o instagram @maselenuncamebateu (este instagram fala muito sobre o assunto e tem relatos de mulheres que sofrem disso, muitas vezes seguido de um pedido de socorro) e encontramos uma moça que fugiu do marido. Ela estava sem uma geladeira e o leite do filho estava estragando. Foi quando uma luz me surgiu e doamos o adiantamento da tatuagem para esta mulher comprar o que precisava.

Desde então, conheci histórias. Conheci pessoas que pediam socorro e ninguém as ouvia. Eu me vi em cada cliente que tive, eu me reconheci neles. Tatuar pode fazer muito sentido, mas estender a mão a alguém em uma situação como a que você passou é exatamente o que eu procurava em minha vida. Isso deu sentido para tudo o que passei até hoje. Tatuagem de cicatriz não é o que me sustenta financeiramente, mas é o que me dá paz de espírito diante de tantas coisas ruins que vemos no mundo.

Deixo, aqui, um relato de Marina, uma de minhas clientes de cobertura de cicatriz, que me fez perceber o motivo de eu estar exatamente aqui, sentada, durante uma pandemia, escrevendo este texto. Afinal, sei que há algo melhor guardado para quando eu voltar a tatuar. E eu sei que, por mais difícil seja para você, eu estarei lá, ajudando a cobrir aquilo que um dia te fez chorar!

“Eu não consegui olhar direto pra tattoo por alguns dias. Mesmo no dia da sessão, eu só evitava olhar pro que estava sendo feito porque eu não queria lembrar da existência da cicatriz. Mas quando eu finalmente tomei coragem de olhar num espelho, foi como se eu finalmente tivesse voltado a me ver. Eu me sentia olhando pra mim mesma, pro meu próprio corpo, e não somente pra uma lembrança horrível. É óbvio que não apagaria a cicatriz e nem as memórias, mas o fato de poder olhar diretamente pro meu próprio corpo depois de mais de um ano e ver algo que eu escolhi fazer me fez sentir como se tivesse recuperado boa parte da autonomia que o trauma havia me tirado. Eu não tenho mais pavor de mostrar a barriga agora. Eu não deixava ela aparente nem em casa, por medo de ver a cicatriz no espelho e chorar. Minhas duas primeiras tattoos foram feitas sem nenhum significado específico. Eu gosto bastante delas, mas nunca irão carregar o peso de uma cobertura.
O que mais se alterou foi minha relação com tatuadores, particularmente a minha. Ela teve de acompanhar meu drama, minhas lágrimas, surgir com uma ideia do nada pra resolver algo que talvez pra ela tenha sido apenas mais um dia de trabalho, mas pra mim foi quase como recuperar minha vida. Eu nem lembro o nome de quem fez minhas primeiras tatuagens, mas o dela eu me lembro! Agora, eu simplesmente não consigo mais ver essa arte como algo impessoal, tanto do meu lado, quanto do tatuador.”

Diante deste relato que todas as vezes que leio, derramo-me em lágrimas por fazer algo tão significativo na vida de alguém, peço para que cada tatuador que tiver condições de estender sua mão para um cliente seu, venha fazer parte do projeto!

Tatuagem é arte e arte deve trazer reflexões para nosso dia a dia!

Nossa vida importa! E dar mais um motivo para o outro viver é maravilhoso! Cuidem uns dos outros.

Existem tatuadores que já fazem um trabalho de cobertura de variadas formas e vamos, aqui, divulgá-los também!

INDICAÇÕES:
Quem sabe eles não estejam atendendo em sua região, não é mesmo?!

Marianne Barros Tattoo – Londrina/PR;

Daedracwb – Curitiba/PR;


Isa é uma tatuadora que fez coberturas das tatuagens feitas por outro tatuador que abusou de suas clientes – Belo Horizonte/MG;


CONTINUE NO BLOG…

A profissão de tatuador no Brasil
Os Confins: a relação entre o confinamento e a tatuagem
A história da tatuagem: um breve ensaio

Capittoo
Capittoo
Tatuadora em São Paulo, formada em Letras, fazedora de post no Instagram que fala por cada mulher dessa profissão.

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